Eu lembro quando criança, de ter medo de palhaço, papai noel e tudo quanto era personagem que se fantasiava e pintava a cara.
Por mais que soubesse que era uma pessoa em baixo daquelas roupas coloridas, o medo falava mais alto que a razão.
Era mais forte, dava medo e ponto final. E se alguém desse uma insistida para ir perto, o pânico tomava conta (ainda bem que meus pais e outras pessoas nunca insistiram até chegar esse ponto).
A primeira vez que percebi o medo do Davi, foi na festinha de formatura do primo.
O tema era circo, e havia muitas crianças vestidas de palhaço correndo pelo corredor, e por um instante percebo o pânico do meu pequeno.
Seu corpo tremia e vejo que era por causa de um palhacinho lindo que estava por perto. Mal conseguimos ver as apresentações, ficamos a maior parte do tempo do lado de fora, e logo que terminou, fomos embora.
Até com a prima que usava umas orelhinhas de cachorrinho, Davi ficou desconfiado e nem queria pegar na sua mão.
Dia desses, fomos no aniversário da filha de uma amiga. Já tinha sido avisada que haveria um palhaço por lá, então já fui atenta.
Como era de se esperar, Davi não quis sair de perto de nós, nem ir nos brinquedos (o palhaço estava lá perto), ficou impressionado com as crianças que estavam com os rostos pintados de borboleta, gatinhos, leões...
Expliquei que o palhaço era um moço que estava usando uma peruca e tinha passado tinta no rosto pra ficar bem colorido e que estava fazendo o mesmo com as crianças. Até quis fazer um desenho no meu rosto para mostrar á ele o que era, mais Davi disse choramingando que mamãe não podia, então não quis insistir.
Quando começaram as brincadeiras e Davi escutava a voz do "moço vestido de palhaço", ficou no colo do pai todo encolhido e dizendo -"Medo, tatá" (porque todo palhaço pra ele é o Patati e Patatá)
Então resolvemos ir embora, não era legal ver seu filho sem poder brincar e se divertir por conta do medo, era tortura demais.
Tínhamos que passar perto do palhaço para ir embora, então ficou combinado que ele fecharia os olhos e sairíamos dali rápido. Momento de transmitir ao Pitico que poderia confiar em nós e que entendíamos o seu medo.
No outro dia Davi acorda e a primeira coisa que fala é "Medo, tatá", o medo ficou ali, gravado na cabecinha dele.
Passei horas explicando tudo novamente, e então tive a idéia de mostrar para ele como tudo isso acontecia, disse que no dia seguinte compraria uma peruca de palhaço e as tintas para pintar o rosto.
Davi ficou empolgado e achou graça quando disse que iria pintar o nosso rosto igual ao do "Tatá".
Dia seguinte estou lá na loja comprando uma peruca parecida com a que o palhaço da festa usava e as tintas.
E então nossa tentativa de explicar a teoria na prática começou.
Aproveitei o momento para também ensinar as cores, estimular a coordenação, á pintura, estimular o tato, mostrar como é gostoso compartilhar (ele usava uma cor e depois de usar me emprestava para também usar) aproximação, diversão, transformação de como ia ficando nosso rosto ...
Olha quanta coisa legal e importante pudemos fazer num único momento!
Procurava á todo instante dizer que a mesma coisa que estávamos fazendo, era o que o "Tatá" também tinha feito.
- Olha filho, vamos passar a tinta vermelha no nariz, igual o Tatá?
- Agora é a vez da tinta branca no rosto, igual o moço fez também!
- Vamos colocar a peruca igual o palhaço colocou na cabeça?
Pitico de divertiu, adorou as tintas, e quando eu dizia que a mamãe estava igual o palhaço da festa, ele respondia:
- "E Didi, também"!
Acredito que temos medo do desconhecido, medo daquilo que não entendemos, não sabemos, não dominamos.
E baseada nisso, quis proporcionar ao filhote a oportunidade dele mesmo descobrir, ter contato, conhecer, pegar, olhar, usar, participar e ver como tudo aquilo era feito.
Tudo de uma forma natural, mostrando de uma maneira que ele pudesse entender.
Acho que o medo não vai passar assim de uma hora pra outra, mais agora ele vai lembrar que ele também já pintou o rosto o já colocou uma peruca igual o palhaço.
E que a mamãe também, rs!